Depois de três anos e meio, 53 jogos, 89 jogadores..., a lista estava na boca de cada brasileiro. Em dois minutos e meio os dois telões do Salão Alhambra, do Hotel Windsor, tinham exibido para o Brasil os 23 nomes que Carlos Caetano Bledorn Verri havia escolhido. Grafite sim, Adriano não. Nada de Ronaldinho Gaúcho e Ganso - presentes entre os "sete reservas" - ou Neymar. Nada de surpresas de última hora. O Brasil passaria a conhecer melhor Heurelho, Donieber e Edinaldo (Gomes, Doni e Grafite). Era chegada a hora de falar.
De blazer escuro, camisa verde (sobre outra amarela), Dunga entrou em campo – a mesa de entrevistas, espaço que nesses três anos viu tantos humores. Viu raiva, viu sarcasmo, viu sorriso, viu vários Dungas. O Dunga do octagon verbal – que enxergava em cada pergunta uma casca-de-banana. O Dunga patriota, das metáforas militares. O Dunga pai de família, filho de mãe professora. O Dunga capaz de sacrificar tudo pelo país. Muitos Dungas que ali subiam, novamente, para o zênite treinador: explicar, para os 190 milhões de técnicos, o seu time. E lá foi Dunga, "olho no olho" com o torcedor, mirando na câmera para mandar seu recado.
Depois de uma hora e quinze minutos de entrevista coletiva, o diretor de comunicação da CBF, Rodrigo Paiva, suspirou:
- Última pergunta dessa longuíssima entrevista coletiva, pelo amor de Deus.
Foi, realmente, uma maratona. Quase 40 perguntas. Dunga suportou com fôlego. Acelerou aqui, freou ali... enxergou lobby em perguntas simples. Mas não perdeu a esportiva. Sentado entre o auxiliar-técnico Jorginho e o administrador Américo Faria, Dunga engatou a primeira às 13h17m. Começou singelo, no melhor estilo “Dunguinha paz & amor”. Logo, uma pergunta reviveu o estilo bateu-levou do treinador. Mas um bateu-levou ameno, suavemente irônico:
- Você, que é do esporte, devia saber...
Durante a maratona, o técnico da Seleção bateu na tecla do patriotismo. E procurou várias vezes falar diretamente ao torcedor:
- Torcedor, você precisa entender (...) Você em casa precisa saber (...)
Em três ocasiões repetiu que dizia “aquilo que ninguém queria ouvir”. Foi direto – disse que não era político. E foi filosófico – usando metáforas militares e sublinhando o discurso da pátria de chuteiras. Reclamou, porém, de alguma perseguição:
- Tem gente que diz... se perder, ele vai ver. Isso é terrorismo. É ameaça.
Voltou no tempo para falar da Seleção do tetra... e da chamada Era Dunga. Mas no geral, apesar dos ocasionais jabs, manteve a esportiva. Quem chegou mais perto de perdê-la foi o auxiliar-técnico Jorginho diante de uma suposta comparação entre Pelé e Neymar e Ganso.
- O cara pergunta do Pelé! Você quer comparar o Pelé com quem? Neymar e Ganso com quem? Não pode. Isso é seleção brasileira, é nossa pátria. Gostei daquele comercial de sandália... em que o Lázaro Ramos diz: “Não fala do Brasil”. Ainda mais porque o cara era argentino.
Mas, ao fim da resposta, Jorginho sorriu e brincou – dizendo que “hoje era ele que ia ficar nervoso” e não Dunga.
Abaixo, os melhores momentos da coletiva do treinador:
A palavra preferida: comprometimento: "Quando a CBF me convidou, o presidente Ricardo Teixeira colocou que eu teria que fazer uma renovação, por uma série de fatores que todos conhecem: pela campanha na Copa, pelo fechamento do ciclo de jogadores vencedores. E foi muito importante ele me dar autonomia e suporte para tomar decisões. A gente pautou o comprometimento, a atitude, os jogadores chamando a responsabilidade, a paixão, a emoção de jogar na seleção. A realização do sonho de vestir a camisa da seleção. Saber da responsabilidade, do desgaste, da cobrança. O torcedor voltou a acreditar na seleção, a estar perto na seleção. O lobby que se faz para os jogadores estarem aqui não me frustra, não fico nervoso, bravo. Isso me deixa muito feliz, pois se todos querem vestir a camisa é porque ela é importante".
Ensinamentos da mãe: "Mais do que ninguém, eu estou aqui para fazer um trabalho e buscar o objetivo. Nesses três anos e meio, encarei as críticas, a invasão da minha privacidade, a forma como me trataram e a minha família. Isso não vai ser em vão. Não é que eu esteja sendo ranzinza, é que tem um preço para pagar para vencer, e eu estou disposto a pagar. Eu e os jogadores. Todos os jogadores estão preparados para se doar e vencer pelo país. Minha mãe foi professora de Geografia e História e me ensinou a ser patriota. Cada um que está aqui tem que ser patriota. Peço que nos apóiem, que o torcedor goste do nosso país, que tenha certeza que vamos nos doar o maior possível pelo nosso país".
Adriano: "Eu gostaria que essa coletiva fosse para valorizar mais os jogadores que estão na lista. Sobre o Adriano, demos inúmeras chances para reverter uma certa situação. Mas vem a frase da coerência, convicção, comprometimento... Tivemos que tomar uma decisão pelo coletivo, o que é o mais importante da seleção. Sempre acolhemos o Adriano, o grupo sempre o acolheu, mas chegou o momento de tomar a decisão. Meu coração fala uma coisa, mas a razão pelo que eu estou representando pelo meu país fala outra".
A fase de Kaká: "É indispensável falar da sua qualidade e capacidade. Assim como Robinho. São jogadores que têm que ser protagonistas, pela qualidade que se espera deles. Quando um jogador troca do Rio para São Paulo já tem dificuldade, imagina trocar da Itália, onde era o maior ídolo do Milan, conhecia o trânsito, a alimentação, e ir para o Real Madrid, com responsabilidade grande, nova preparação física, outros métodos de treinamento, novos companheiros... Querem que tudo se resolva imediatamente. Acaba se machucando, há cobrança para que volte o mais rápido, cobrança para que resolva o problema. Kaká, com nós, ou melhor, conosco, vai receber todas as condições".
Julio Baptista e Doni na reserva do Roma: "Há um jogador chamado Totti, que é o dono de Roma, só não é maior que o Nero, e o Julio joga nessa posição. O outro jogador, volto a falar em comprometimento com a seleção. O Doni teve um atrito no seu clube por decidir jogar com a seleção contra a Inglaterra, no final do ano passado. Quando ele voltou para o clube foi colocado na reserva. Se eu, como comandante da seleção, coloquei desde o inicio comprometimento e paixão pela seleção, atitude, prazer de jogar, quando o jogador tem essa decisão e o clube penaliza eu não convoco mais? O problema não é tirar o Doni, é como fica o meu comando com o resto do grupo".
Pancada: "Na minha carreira tomei muita pancada... mas nunca me coloquei como vítima. Eu falo para os jogadores: não somos vítimas. Não estamos aqui pra achar desculpas, estamos aqui pra achar soluções".
Drama na final da Copa América: "Na final da Copa América, minha mulher estava no hospital para ter neném... e meu pai estava no UTI. Tenho que agradecer porque graças ao futebol e ao meu trabalho, minha mulher estava num bom hospital e meu pai também. Não é ser vítima, é buscar soluções.
Era Dunga: Minha era foi criticada... como todas as gerações foram criticadas. Não é justo falar em “era Dunga” porque não era só eu. E porque foi uma geração, desde a sub-20, talvez não enchesse os olhos... mas é uma geração vencedora. Ganhou desde sub-20, medalha olímpica, Copa América depois de 50 anos, Copa do Mundo depois de 24".
Neymar, Ganso e Pelé: "Quanto a 1958, Pelé é simplesmente o melhor jogador do século. Se vocês encontrarem o Pelé me tragam. Vai ser capitão, dono do time, vai jogar com a perna engessada. O Pelé, antes de 58, já tinha jogado partidas pela seleção principal e amistosos. Esse rapaz chamado Pelé... não pode ser comparado a ninguém. É mito. Temos que fazer reverência, nada mais".
Seleção do tetra: "A seleção de 1994, eu não gosto de me defender, isso é um grande equívoco. Em 94, tínhamos um goleiro chamado Taffarel... que até não é mau. Tinha um lateral-direito, cruzava pouco, não era bom cruzador. O lateral-esquerdo? Branco... chutava pouco, também não era tão bom. Aldair era tão bom que você não via ele em campo. O Márcio Santos fez uma Copa excepcional. Um volante como o Mauro Silva. Tinha dois jogadores na frente... Bebeto e Romário. E dizem que não era uma seleção talentosa. Não era né? Mas vencia".