27 de abril de 2010

Mais de R$ 6 milhões em multas

11:09 | , , ,

Créditos: Tribuna do Norte
Foto: Emanuel Amaral (Tribuna do Norte)
Um condutor apressado avança o sinal e é flagrado pelo radar. Um carro estacionado sobre a faixa de pedestre, bloqueando a rampa de acesso para cadeirantes, é alvo da caderneta de um “amarelinho”. A cena se repete, inúmeras vezes por dia, em vários cruzamentos da cidade. Somente nos três primeiros meses deste ano, segundo dados da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Semobi), foram emitidas 20.872 infrações de trânsito e a valor arrecadado já soma R$ 557.723,30. O raciocínio é simples e prático: a punição é a maneira mais eficaz de “educar”. E se o assunto em questão é o trânsito, fazer doer o bolso do condutor gera resultados (?).

Mas se por um lado, o desrespeito às leis de trânsito é uma ameaça para a segurança de condutores e pedestres, por outro representa um consolo para o sofrido caixa da prefeitura. Em 2009, a Semobi arrecadou com o pagamento de multas R$ 6.454.321,37, cerca de 16% a mais que o ano anterior, quando as infrações renderam aos cofres públicos R$ 5.553.724,55. O que significa dizer que, sem muito esforço e contando com a imprudência dos motoristas, por dia a Semobi arrecada R$ 17.683,07. Uma média de R$ 736,79 a cada hora.

Deste total, 75%, ou seja, R$ 5.520.200,41 são recolhidos aos cofres municipais para serem reinvestidos em melhorias do sistema viário, conforme previsto no Código de Trânsito Brasileiro. O restante é rateado entre o Fundo Nacional de Segurança e Educação do Trânsito (Funset), que recebe 5%, e 20% para o Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN).

Para o secretário adjunto da Semob, em exercício, Haroldo Maia, o quadro não configura uma indústria de multas, mas uma produção de infratores movida ao sentimento de impunidade. “Se estivéssemos preocupados só em faturar não faríamos investimentos em outras áreas”.

No ano passado, a Semob gastou R$ 2.496.975,56 em fiscalização e controle eletrônico de tráfego. Este é o custo com empresas terceirizadas que prestam o serviço de instalação, manutenção e monitoramento de radares, fotossensores e lombadas eletrônicas espalhadas pela cidade.   Em operação de trânsito foram investidos R$ 2.234.126,99; outros R$ 579.637,86 em campanhas educativas, publicidade e material de divulgação, restando para administração de recursos humanos R$ 209.460,00.

Paralelo à arrecadação, cresce também o número de notificações. Um incremento de 62% na quantidade de multas emitidas em 2009 foi registrado em comparação ao ano anterior. Ao todo, foram 131.654 contra as 82.445 multas em 2008. Mesmo com o crescimento acelerado da frota de carros na cidade, a produção em série de transgressões, explica Haroldo Maia, se deve à falta de responsabilidade e respeito à legislação de trânsito. “A multa ainda é o único meio de educação que o condutor respeita”, frisou.

Ameaça de multa tem um caráter corretivo
: O professor da UFRN Enilson Santos, especialista em engenharia de transportes, também entende que a ameaça de multa pecuniária, pelo caráter imediato e mais perceptível, exerce efeito corretivo superior, inclusive, ao da possibilidade de perda do direito de condução. “Está provado, cientificamente, que após passar os trechos regulados por radar, o condutor se vinga, acelerando além da velocidade permitida”. Contudo, ressalta o engenheiro, não se pode praticar a multa como política de trânsito, uma vez que o aumento das punições não se reflete na diminuição das violações do trânsito.

O engenheiro defende a implantação de políticas públicas onde as multas e suas somas sejam atreladas a programas de educação de condutores adultos. “O processo de formação do condutor no Brasil beira o ridículo e se transforma num pseudo bom negócio para auto-escolas. O ideal é que a arrecadação se aproxime de zero, isso demonstra educação no trânsito”.

Fiscalização: Com um déficit de pessoal e apenas 28 equipamentos eletrônicos instalados na cidade, dos quais dois radares nas vias Bernardo Vieira e Jaguarari, o secretário adjunto Haroldo Maia estima que o número de ocorrências poderia ser superior se houvesse uma fiscalização mais intensa. Das 131.654 infrações registradas no ano passado, 103.958 - 78,96% do total - foram indicadas pelos equipamentos, enquanto os agentes respondem por apenas 21,09% (27.696) dos casos. A Semob dispõe hoje de 45 agentes de trânsito para cobrir o tráfego de 275 mil veículos. Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, para cada mil veículos deve haver um agente de trânsito. Ou seja, são necessários outros 230 “amarelinhos” nas ruas da capital. “Esta carência colabora para o sentimento de impunidade por parte do infrator”, reconhece Maia.

Ainda em 2009, a Semob divulgou a realização de concurso para preencher as vagas de agentes de trânsito, o que até agora não ocorreu. O processo para abertura do certame está no departamento de análise processual da Secretaria de Gestão de Pessoas, Logística e Modernização (Segelm) aguardando aprovação para contratação da empresa organizadora do concurso. Com a anulação do concurso realizado em 2003, explica o assessor jurídico Caio Vitor Barbosa, a realização do novo processo seletivo esbarra na obrigação jurídica de garantir aos inscritos naquela ocasião, a isenção da taxa de inscrição no processo. “O fato de não poder contar com um recurso que seria usado como contrapartida, complica o trâmite”. A expectativa é que o concurso seja realizado logo após as eleições, com oferta de 60 vagas para a contratação imediata e outras 140 para cadastro de reserva.

Excesso de velocidade é o campeão: Os maus modos da população se traduzem nas ocorrências verificadas nas vias de trânsito. As quatro infrações cometidas com mais freqüência pelos motoristas de Natal, por exemplo, seriam facilmente evitadas com um pouco mais de paciência e atenção. Do total registrado no ano passado, 70,19% foram por excesso de velocidade, cujo valor varia de R$ 85,13 a R$ 574,00, de acordo com a velocidade acima do permitido. O moto-entregador Sivonaldo Martins da Silva, conta que no local é comum batidas de carro, por freadas bruscas de motoristas desavisados. Ele mesmo já foi vítima da “máquina de fazer dinheiro”. Há seis meses Sivonaldo foi flagrado pelo radar por excesso de velocidade, o que lhe custou R$ 127,00. “Estava trabalhando, tinha prazo, mas não aceitaram. Só sabem multar e o dinheiro a gente não ver em que é empregado”, disse.

Outros 9,81% das multas são por avanço de sinal vermelho, multa de R$ 191,54; os casos de estacionamento em locais proibidos respondem por 9,57%, cuja cobrança pode variar de R$ 53,20 a R$ 127,69; e 4% por direção falando ao celular ou usando fone de ouvido (R$ 127,69).

Nas rodovias federais de Natal, as BR-101 norte e sul, a Polícia Rodoviária Federal registrou 52.989 autuações no ano passado, das quais 17.415 por excesso de velocidade. Em todo o Estado, o valor arrecadado pelo tesouro nacional com o pagamento de multas, no mesmo período, foi de R$ 5.385.642,03. Do total, 85% dos recursos, segundo assessoria de comunicação da PRF, retornam ao departamento de trânsito para investimentos em equipamentos, viatura e armas.

Bastam alguns minutos no trecho campeão de ocorrências, a Avenida Bernardo Vieira com a Rua dos Tororós, para verificar o descaso dos motoristas. Apesar de ser considerada uma via “lenta” após as modificações do sistema viário, o radar eletrônico escondido na calçada, entre o muro e um poste de iluminação pública registra em média 100 abusos à regulamentação de 50 quilômetros por hora na via. Quem já foi “pego” reduz a velocidade ou ainda passa apontando para o equipamento. O frentista Ronaldo Paulo da Silva conta que, quando recebeu a notificação, no local não havia sequer sinalização. “Passou três meses sem nada e nesse tempo pegaram muita gente”, avalia.

Multas ultrapassam 40 mil por mês: Mais de 40 mil multas são lavradas por mês na capital potiguar. Deste total, cerca de 5 % dos motoristas recorrem da cobrança por alegar serem “injustas”. O número de processos interpostos na Semob em 2009 foi de 18.718 recursos. Devido ao volume, o tempo médio para julgamento na primeira instância é de três meses ao invés dos 30 dias previstos na legislação. Até março deste ano, 3.421 condutores já recorreram da decisão. É o caso do autônomo Marcelo Roberto Cavalcanti, que entrou com um processo junto à secretaria para se livrar da cobrança “indevida” de R$ 390,00.

Segundo Marcelo, o erro começou com a falta de notificação. Ao contrário dos demais documentos e boletos para pagamento de tributos, como IPVA, a multa não chegou a seu endereço.  A infração só foi conhecida quando tentou regularizar os pagamentos.  Marcelo entrou com a defesa, alegando que ultrapassou a velocidade por está prestando socorro a uma vítima, e aguarda há mais de 45 dias uma definição.

“Ainda vou pagar a documentação atrasada, porque se recusaram a receber antes de quitar a multa”, critica.  O funcionário público Lucimar Mesquita, 36, reclama da desorganização, mas preferiu “poupar o desgaste” com burocracia para o recurso. Após vender o veículo, do tipo Escort, há quase um ano quando obteve da Semob e DETRAN o documento de nada consta foi surpreendido há cerca de dois meses com a cobrança de multas praticadas em 2008, flagradas pelos radares do bairro Nordeste.

“Reconheço que cometi a violação, mas deveriam ter cobrado antes e não emitir um documento e depois dizer que ele não é verídico”. Para Eloísio de Araújo, a arrecadação deveria ser proporcional as melhorias realizadas. “Se multa resolvesse o problema, o caos em Natal estaria sanado. Mas só serve para engordar a conta da prefeitura”, disse o contador.

Para entrar com um recurso, é necessário preencher formulário e anexar à notificação, documentos que justifiquem a defesa. O prazo é de 15 dias após o recebimento da multa. Se o despacho da Comissão de Análise de Defesa Prévia não sair em 30 dias, apesar de registrada, a infração tem efeito suspensivo não causando nenhum impedimento ao condutor até que seja decidido. Caso indeferido o pedido, o condutor poderá ainda recorrer à Junta Administrativa de Recursos de Infração (Jari), ao Conselho Estadual de Trânsito (Cetran) e posteriormente, em caso de outras negativas à justiça.

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