12 de abril de 2010

Falta de ônibus no interior dá margem à exploração

11:31 | , , ,

Créditos: Tribuna do Norte
Foto: Emanuel Amaral (Tribuna do Norte)
Ir e vir para onde quiser é um direito garantido pela Constituição Federal a qualquer cidadão. Mas, na prática, não é isso que acontece. Em muitas cidades do interior do Rio Grande do Norte a precariedade de infraestrutura em transporte relega esse direito fundamental a terceiro plano.

Sem linha de ônibus regular, muitos moradores são vítimas de exploração e perdem tempo e dinheiro para se deslocar de uma cidade para outra. É o caso da dona de casa Fátima Cristina Queiroz, 24, moradora de Vila Flor, a 76 quilômetros de Natal. O percurso até a capital, que leva em média 1h30, chega a demorar até seis horas se levarmos em consideração o tempo de espera para encontrar um carro de lotação. Isto porque não há linhas de ônibus para atender a cidade de 2.647 habitantes e a única permissionária de vans, que faz a linha Natal-Canguaretama-Vila Flor-Barra do Cunhaú, ignora o destino.

Mas o absurdo não para por aí. O frete de um carro pode chegar até a R$ 150,00. Foi o valor que Fátima pagou por uma corrida, em carro alugado, na última semana para visitar a cunhada que está internada em estado grave na Maternidade Escola Januário Cicco, em Natal.  O valor é combinado na saída, para esperar pelo locatário até meia-hora são R$ 80, até duas horas sai a R$ 150. “É uma exploração, me senti meio que assaltada, mas a gente vai fazer o que se não tem outro jeito?”, desabafa a dona de casa.

Para a comerciante Jacilene Felipe, 36, que vem semanalmente a Natal comprar material para abastecer a loja de material de construção, as viagens são um exercício de paciência. Para escapar do “assalto”, a comerciante pega uma lotação até a cidade mais próxima, Canguaretama, e de lá aguarda ônibus para Natal. O gasto, nesse caso de R$ 29 ida e volta, compensa o tempo perdido nos pontos de ônibus. A espera também é a saída para os idosos. Segundo a aposentada Edileuza Oliveira, 62, as lotações não observam o direito a gratuidade e meia-passagem. “Eu me sinto desrespeitada e por isso, quando posso, espero pelo ônibus de Canguaretama. Se acabar, não sei como vou fazer”.

Na contramão, à espera de condução de Canguaretama para Vila Flor, o agricultor Antônio Bernardo da Silva, 44, também reclama da dificuldade. Segundo ele, o trajeto até a capital para ir ao médico e fazer compras é feito a conta-gotas. “Você pega um carro de Natal para Goianinha, de Goianinha para Canguaretama e daqui, espera que passe alguém que te leve para Vila Flor. Nisso vai o dia inteiro”.

Loteiro há dois anos, Ernandes Quirino explica que a demora se deve aos custos. É comum, se aguardar mais de quatro horas para completar o número de vagas. “Não dá para sair daqui com menos de três passageiros, não compensa. Só se for fretado”.

De Vila Flor a Canguaretama os loteiros cobram R$ 2,50 por pessoa. Até Natal, a taxa sobe para R$ 15, por vaga, ou seja, R$ 4 a mais que a tarifa de ônibus para o mesmo trajeto.

Baía Formosa: Situação parecida, enfrenta quem mora em Baía Formosa, cidade praieira a 106 quilômetros ao sul de Natal. Ilhados e reféns do transporte clandestino, desconfortável e inseguro, a “lotação” é a opção para quem precisa viajar. Há mais de um ano, uma empresa deixou de operar no itinerário e daqui a 45 dias, a linha que permanece, da Viação Oceano, também será desativada.

O alagoano Domício Salustino, que mora no distrito de Destilaria, estava há 1h30 aguardando condução. “Não há vantagem,  porque a gente paga mais caro e é condicionado a ir e voltar no mesmo carro, mas é a necessidade”, afirma o supervisor de produção, para quem a desativação da linha Natal-Baía Formosa, a partir de junho, representa um “furo maior no bolso e na paciência do cidadão”.

Arez: Deslocada 8 quilômetros do eixo da BR-101, principal via de circulação da região agreste com a capital, a cidade de Arez, distante 50 quilômetros de Natal, também enfrenta dificuldades no sistema de transporte. A única linha de ônibus, da Viação Barros, oferece apenas quatro horários. No entanto, o itinerário via Georgino Avelino, Patané, Carnaúbas, amplia o tempo da viagem. Os eventuais 50 minutos gastos na viagem direta são esticados para intermináveis duas horas. A pedagoga Daiana Priscila Silva, que mora no bairro de Candelária e trabalha em Arez, fala da angústia de quem depende da linha. Daiana pega o ônibus às 11h, na parada do Carrefour, para chegar depois das 13h na Escola Municipal Claudionor Lima, um atraso compreendido pelos alunos. Por dia, a despesa com a viagem interurbana é de R$ 15.

Acrescido ao desperdício de tempo e gastos, a professora chama atenção para o  risco nas estradas. “É perigoso. Houve época de muitos assaltos, agora tranqüilizou. Contudo, se desativarem não sei como vou trabalhar”, disse. Para chegar mais cedo em casa, a lotação até a marginal da BR-101 de onde aguarda outro meio, é a alternativa.

Muitos preferem ir até a vizinha Goianinha de onde parte um número maior de veículos. É o caso do pastor evangélico Vitor Ewerton Alves Pereira e o grupo de evangelizadores, que realizam trabalhos em Baía Formosa e Natal. “Sai mais caro, ao invés de R$ 8 a gente paga R$13, mas compensa pelo tempo”, disse o morador.

Canguaretama: A insuficiência de veículos e horários no itinerário Natal-Canguaretama – distante 67 quilômetros - somada ao anúncio da desativação das três linhas de ônibus – Natal/Nova Cruz (via Canguaretama), Natal/Canguaretama e Natal/Baía formosa (via Canguaretama) - que assistem os quase 30 mil habitantes, tem sido motivo de preocupação para quem trabalha ou estuda nas cidades circunvizinhas e em Natal.

A pedagoga Lidiana Oliveira Dantas, 29, lamenta a decisão. Para ela, a frota deveria ser reforçada e não extinta. O pior, frisa Lidiana, é ficar “nas mãos’ dos clandestinos. A gente se arrisca muito, porque andam superlotados, em alta velocidade e não respeitam horários e leis”, observa. Por duas vezes, durante fiscalização do DER, Lidiana foi deixada na beira da estrada, para esperar outro transporte.

Na cidade, há apenas duas vans do transporte opcional autorizadas para fazer viagens. “É uma proliferação de transporte irregular”, acrescenta.

Mas há quem veja vantagens no serviço ilegal. A garçonete Renata Moisés está entre os que não se importam em pagar mais caro. Isso porque o dinheiro a mais é o equivalente as despesas com transporte coletivo em Natal. “Os loteiros deixam e pegam a gente na porta, é bem mais confortável”, afirma.

Seja de ônibus ou de carro de passeio, o custo ida e volta (Canguaretama/Natal/Canguaretama) - R$ 22 tarifa regular ou de até R$ 30 em lotação - é considerado elevado para o serviço prestado, no que se refere ao estado dos veículos, quantidade e regularidade dos horários.  “O serviço é ruim e muito caro se comparado a outros estados do país. Para ir a Natal tem que ter no mínimo R$ 50 no bolso. No Rio, viagens mais longas saem pelo quinto deste valor”, avalia o carioca Rafael de Lima Gonçalves. Há um mês, o fiscal de táxi  aguarda ter tempo e dinheiro para ir a capital, resolver pendências do exame do Enem.

“Não há saída para  as empresas de ônibus”: A desativação de cerca de 60 linhas intermunicipais de transporte convencional (feito por ônibus) a partir de maio, não deverá ser revertida. É o que acredita o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte do Rio Grande do Norte (Setrans/RN), João Carlos Queiroz. As linhas que serão desativadas, seja por caducidade, rescisão do contrato, desistência de exploração, cancelamento ou mesmo extinção das linhas, se deve a concorrência com o transporte ilegal, como alega o Setrans.

“Não há saída para as empresas de ônibus. Elas vão entregar as linhas e essas cidades ficarão em situação preocupante, a população será a principal prejudicada. Não temos como concorrer com um serviço desregulamentado. Não há como manter um equilíbrio financeiro, se os passageiros são levados pela lotação. Não há outra saída, a não ser desistir”, frisa Queiroz.

Ao contrário do transporte convencional e opcional (vans e micro-ônibus), os donos dos carros não permitem que idosos e estudantes exerçam seu direito a gratuidade e meia-passagem, respectivamente.

A longo prazo, o problema poderá ser ainda mais grave. Com os preparativos para o estado sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014, a deficiência em uma das principais necessidades de infraestrutura poderá ter um reflexo negativo para o Estado. “A tendência é que o sistema se quebre e fique a mercê de um transporte que opera de forma irregular, sem regulamentação, onde os donos de veículos decidem itinerário, horário, se vão levar ou não”, observa.

Ao contrário da regulamentação da atividade pelo governo estadual, segundo o presidente do Setrans, o que poderia dar condições para as empresas voltarem a operar, seria uma  fiscalização rigorosa por parte dos órgãos responsáveis, a fim de inibir a circulação dos veículos. “O problema que temos governantes e um órgão (DER) fracos”, acrescenta.

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