As ações de combate ao mosquito da dengue em Natal foram terceirizadas, estão sob a responsabilidade de uma Organização Social e custarão mais de R$ 8 milhões. A Secretaria Municipal de Saúde fechou contrato com o Instituto de Tecnologia, Capacitação e Integração Social (ITCI), para operacionalizar, gerir e executar ações e serviços de saúde no projeto “Natal contra a dengue”.
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Foto: Aldair Dantas (Tribuna do Norte) |
Para honrar os três meses do contrato, o mesmo período de vigência do decreto de emergência epidemiológica assinado pela prefeita Micarla de Sousa, o Município disponibilizará recursos de três blocos de financiamento da Saúde: Vigilância Epidemiológica, Alta e Média Complexidade e Atenção Básica.
O secretário municipal de Saúde, Thiago Trindade, afirmou que o montante pactualizado entre a Organização Social e a Prefeitura do Natal – R$ 8.116.675,72 - está disponível nos cofres da Saúde municipal. “Nós temos todo o valor necessário para financiar o contrato nos blocos de financiamento desses setores”, disse. A ITCI é a terceira Organização Social pernambucana contratada pelo Município em menos de um ano.
Há duas semanas, uma equipe composta por cerca de 25 pessoas nomeadas pela ITCI está em Natal. Coordenados pelo tenente coronel do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, Rafael Paixão, os profissionais tiveram como primeira missão, revisar o plano de contingência da dengue elaborado por Natal no ano passado. “Nós trouxemos alguns oficiais do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. Eles são os melhores e foram treinados em Cingapura (ilha ao sul da Malásia)”, confirmou Trindade.
Através da revisão do documento, os responsáveis da ITCI pelo desenvolvimento das ações de combate à dengue em Natal, traçaram um roteiro logístico e fizeram um levantamento do que será utilizado durante os 90 dias de operação que serão ininterruptas.
Dentre os procedimentos previstos, está a inclusão de um helicóptero que realizará voos panorâmicos semanais com o objetivo de localizar imóveis fechados e identificar os potenciais criadouros do mosquito aedes aegypti.
O prédio no qual será montada a base de atendimento da ITCI, nomeada de Centro de Hidratação, será no antigo Posto de Atendimento da Cidade da Esperança. O espaço foi recentemente reformado e climatizado pela prefeitura. A primeira ideia difundida pelo secretário de que tendas seriam armadas em pontos estratégicos foi excluída. “As tendas são montadas no Rio de Janeiro e atendem pacientes que precisam de atenção médico. Em Natal, será numa sede única”, explicou.
De acordo com Trindade, a escolha do local para instalação da base que concentrará os leitos e a estrutura médica a ser utilizada nos 90 dias, foi de responsabilidade da própria Organização Social. “Eles identificaram que o bairro era próximo dos hospitais Giselda Trigueiro e Sandra Celeste, além de estar numa das regiões de maior incidência da doença, que é a Oeste”.
Os casos mais graves serão encaminhados aos hospitais de referência. O número de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), no entanto, não foram ampliados pelo Município para esta ação. Segundo Trindade, nenhum hospital privado respondeu à chamada pública para contratação dos serviços de UTI.
A diretora presidente do Instituto de Tecnologia, Capacitação e Integração Social (ITCI), Myriam Elihimas Lima, foi procurada pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE mas decidiu não comentar o contrato nem detalhar sobre o expertise da Organização Social em relação ao combate à dengue.
Empresa não tem experiência no combate à dengue: A equipe da TRIBUNA DO NORTE entrou em contato com o escritório da ITCI, em Recife, para obter maiores informações sobre o Instituto e seu histórico de trabalhos realizados no combate ao mosquito da dengue em outras localidades. Natal será uma “cidade-cobaia” num projeto que, segundo Thiago Trindade, será o melhor de 2011.
Se identificando como assessor de uma prefeitura do interior do Estado, o repórter perguntou sobre a experiência do ITCI em trabalhos de gestão de epidemias de dengue. De acordo com informações repassadas pelo funcionário Celso Cunha, que se identificou como consultor da Organização Social, o Instituto tem uma vasta experiência em tecnologias, gestão de saúde e começa a elaborar projetos de gestão ambiental. Com a dengue, entretanto, ele afirmou que o Instituto não tinha nenhuma prática. “Com dengue, especificamente, é o primeiro projeto que iremos implantar”, afirmou Celso Cunha.
Já o secretário Thiago Trindade, durante entrevista exclusiva à TN, afirmou que o ITCI tem experiência com o tipo de ação que será implementada em Natal.
Questionado se poderia exemplificar onde o Instituto teria atuado com este tipo de serviço, o secretário alegou cansaço mental, pensou por um momento e afirmou não se lembrar, naquele instante, de nenhum nome de cidade atendida pelo Instituto no combate ao mosquito.
Contratação não passou pelo Conselho: Até que seja de fato considerada inconstitucional ou não, a contratação de organizações sociais em todo o país desperta reações distintas em profissionais da área da saúde. Há os que defendem e aqueles que acreditam que estas instituições ferem leis federais e lesam o patrimônio público. A matéria estava sendo votada no Superior Tribunal Federal ao longo desta semana. O processo foi interrompido pois o ministro Luiz Fux fez pedido de vistas ao processo para uma análise mais detalhada.
Um dos membros da Mesa Diretora do Conselho Nacional de Saúde, o potiguar Francisco Batista Júnior, é contra a terceirização de atividades fins na área da saúde pelos governos municipal e estadual. Ele afirma que a Prefeitura do Natal não segue a Lei Orgânica nº 8080/90 do Sistema Único de Saúde (SUS) que discorre sobre as competências dos municípios e estados em relação à saúde.
O artigo 18, inciso I da Lei 8080/90 detalha os deveres da direção municipal do Sistema Único de Saúde. O texto diz que “compete ao município: planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde...”.
Para Júnior, a Prefeitura do Natal infringe leis. “O governo municipal continua insistindo em privatizar o sistema de saúde. É um desrespeito à Constituição, à população e ao próprio Conselho Municipal de Saúde”, ressaltou. Ele comentou, ainda, que todas as propostas e decisões em relação à saúde municipal deveriam ser previamente aprovadas pelo Conselho, mas não são.
Thiago Trindade contesta afirmando que nenhuma lei deixou de ser cumprida e todo o processo foi feito de forma transparente. “Nós contratamos uma OS pois não tínhamos tempo de pôr o plano de contingência em prática do modo que estava elaborado”, disse. De acordo com o documento, era necessário realizar processo seletivo para contratação de pessoal, abrir licitação e seguir a lei de licitações 8.666.
Para contratar o Instituto de Tecnologia, Capacitação e Integração Social (ITCI), nenhum desses procedimentos foi seguido. O argumento do secretário é de que trata-se de uma contratação emergencial. “Nós fizemos uma pesquisa de mercado em cima do projeto apresentado. Esta é uma contratação emergencial”, frisou Thiago. Ele não mencionou, porém, a qual projeto se referia quando fez a assertiva.
Para o membro do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Júnior, o contrato emergencial não se justifica. “O que me chama a atenção é que a prefeitura nunca tem dinheiro para aparelhar os postos da rede básica. No entanto, quando o serviço é terceirizado, o dinheiro aparece facilmente. Por que não há dinheiro para a rede pública?”.